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A Batalha Entre os Insurgentes e Incumbentes

Até muito pouco tempo atrás, se falava em empresas da velha e da nova economia. Para investidores de empresas listadas em bolsa, isso era quase uma desculpa para não se preocupar em entender de tecnologia. Isso acabou. Hoje, todas as empresas são empresas de tecnologia. Algumas nascem assim — os insurgentes. Outros correm atrás dela — os incumbentes. Resta aos investidores entenderem os fundamentos dessa batalha para poderem se posicionar nesse tabuleiro.
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A Batalha Entre os Insurgentes e Incumbentes
A Batalha Entre os Insurgentes e Incumbentes

Este texto foi publicado no Relatório de Gestão de Novembro de 2020 da Verde Asset. O texto foi escrito por Edson Rigonatti e Guilherme Lima, da Astella Investimentos, com a participação da própria Verde Asset em alguns trechos. Para acessar o relatório de gestão na íntegra clique aqui.

Até muito pouco tempo atrás, se falava em empresas da velha e da nova economia. Para investidores de empresas listadas em bolsa, isso era quase uma desculpa para não se preocupar em entender de tecnologia. Isso acabou. Hoje, todas as empresas são empresas de tecnologia. Algumas nascem assim — os insurgentes. Outros correm atrás dela — os incumbentes. Resta aos investidores entenderem os fundamentos dessa batalha para poderem se posicionar nesse tabuleiro.

A batalha entre os Insurgentes e Incumbentes:

As batalhas entre fortes e fracos, Davis e Golias, que hoje em dia chamamos de guerrilhas, têm sido presentes em toda história da humanidade, e de enorme importância na formação do mundo político e econômico como o conhecemos.

Desde 1775, o mundo presenciou 381 insurgências ou guerrilhas: povos ou minorias se rebelando contra um poder ou estado estabelecido; ou seja, a luta dos fracos contra os fortes. Desse total, os incumbentes (os fortes) ganharam 64%, enquanto os insurgentes (os fracos) 25%. 11% desses embates terminaram empatados. (Invisible Max Boot)

Além do surpreendente fato de que muitas guerrilhas são sim bem sucedidas, existe um paralelo claro entre esses números e a probabilidade de startups vencerem em campo de competição e em alguns atributos de valor conhecidos.

Por exemplo, os insurgentes ganham pelos fatores de:

Velocidade

Os Hunos derrubaram o império Romano através de ataques relâmpagos, enfatizando a mobilidade e a surpresa. A velocidade e capacidade de execução.

Velocidade é o principal fator de sucesso dos insurgentes, seja para atacar os incumbentes ou para construir barreiras em novos mercados. Com isso, a arte e ciência do crescimento acelerado vem sendo cada vez mais estudada e dominada pelo empreendedores de Startups.

O ambiente de negócios e a cadeia produtiva passa por ciclos de transformação tecnológica decenais que habilitam o surgimento e a construção de negócios de alta velocidade de insurgentes. Nos últimos, por exemplo, vimos o aumento exponencial da capacidade de transmissão de dados, armazenamento e miniaturização, conceitos da Lei de Moore.

As empresas de crescimento mais rápido crescem de US$1 milhão para US$ 100 milhões em 5 anos, seguindo a cadência anual de crescimento da receita de triplicar, triplicar, dobrar, dobrar e dobrar. Por exemplo, a mediana do tempo de uma empresa de tecnologia até o IPO é de 8 anos, desde o seu primeiro investimento no ambiente privado.

Um dos meios de, por exemplo, ganho de mercado acelerado, é descobrir e se apossar de uma fonte geração de oportunidades (leads) proprietária, fornecendo matéria prima inesgotável e eficiente de crescimento, e garantia de vantagem competitiva no longo prazo. Nesse quesito, a batalha do incumbente e do insurgente tem a ver com se o incumbente consegue possuir a inovação antes da insurgente possuir a distribuição.

Por exemplo, a XP Investimentos revolucionou o mercado de investimentos no Brasil escalou os agentes autônomos, dando munição para usar e distribuir produtos de sua plataforma.

Grande Causa

Grandes guerrilheiros, ou insurgentes, sabem como usar sua ideologia como instrumento de propaganda para angariar seguidores e conquistar os corações e mentes dos povos que estão sendo conquistados, e da opinião pública mundial.

No setor financeiro do Brasil, o Nubank, que surgiu em 2014, foi um exemplo na construção de uma ideologia e criação do inimigo para se lutar contra, no caso o que chama de o oligopólio dos bancos. A legião seguidora defende as suas ideias e amplifica a sua mensagem e marca.

Ajuda Externa

Ho Chi Minh contou com a ajuda Russa para defender o Vietnam dos Franceses e depois dos Americanos, seja na forma de armas, dinheiro, mantimentos, mas principalmente conhecimento.

Os insurgentes das últimas década contam com a participação e apoio de investidores, como Investidores Anjos e Venture Capital, e uma comunidade que, além do capital, provém um vasto ferramental de conhecimento, redes de relacionamento e técnicas para a escala acelerada dessas empresas.

A mediana de capital para se construir um unicórnio, empresa privada de avaliada em US$ 1 bilhão, no Brasil e no mundo, é de US$ 200 milhões. No Brasil, de acordo com dados da Latin American Venture Capital Association(LAVCA), o montante de investimento de investidores venture capital cresceu quase 10 vezes nos últimos 4 anos.

Os três tipos de batalha (Mercados)

Nem todos os confrontos entre incumbentes e insurgentes são parecidos. Existem pelo menos três tipos de terrenos que podem ser explorados por empreendedores e investidores com consequências significativas para como essas batalhas devem ser enfrentadas.

  • Mercado Existente: o Tamanho do Mercado Endereçável Total (TAM — Total Addressable Market), competição e atributos de valor são conhecidos. É uma batalha típica entre insurgentes e incumbentes. O chimpanzé ataca diretamente o gorila. Como pode ser o caso da Nubank enfrentando os grandes bancos como Itáu e Bradesco.
  • Mercado Resegmentado: o TAM, a competição e os atributos de valor são parcialmente conhecidos. O chimpanzé ataca às margens do território do gorila. Tal como o Mercado de adquirência, em que, nos últimos anos, tanto Pagseguro entrando no negócio pela base da pirâmide mal servida pelos grandes, assim como a Stone atacando o mercado bancário de PME por meio do mercado de adquirência.
  • Novos Mercados: o TAM, competição e atributos de valor são completamente desconhecidos. Um novo mercado tem tamanho nos primeiros muito pequeno e cheio de incertezas. Não existem gorilas, nesse terreno. O chimpanzé disputa com outros chimpanzés a nova área na floresta. Neste caso, no Brasil, exemplos são empresas como a Olist, marketplace de marketplaces, e a RD Station (nova marca da Resultados Digitais), ferramenta completa de automação de marketing, que ajudam pequenas empresas a venderem mais.

Os fatores críticos do sucesso são diferentes para cada tipo de batalha. Consequentemente, o tipo de empreendedor, de equipe e cultura, de posicionamento, de produto, de go-to-market, de risco e retorno são diferentes.

A cadeia de valor de qualquer mercado é dividida por fornecedores, distribuidores e consumidores ou usuários. Para capturar o máximo de valor em qualquer mercado é monopolizar uma dessas partes ou integrar duas parte criando uma vantagem competitiva na entrega de uma solução vertical.

Nessas batalhas pós internet, os mercados existentes são resegmentados, e novos mercados (novos terrenos) são criados quando a cadeia produtiva é agregada ou desagregada(bundling e unbundling).

Essas mudanças tectônicas nos terrenos têm como fator mais relevante a entrega da experiência do usuário. Os vencedores dessas batalhas são os que fornecem a melhor experiência, que, consequentemente, atrai mais fornecedores e distribuidores, viabilizando um ciclo virtuoso de melhoria da experiência. Assim, os vencedores têm a capacidade de gerar e capturar mais valor de praticamente a todos os usuários ou consumidores do seu mercado, habilitando uma supervalorização dos seus negócios.

Portanto, para prover a experiência existem três regras de engajamento, ou modelos de negócios, outra importante lente para entender como essas batalhas se desenrolam, o que impactam na estrutura dos exércitos e como eles podem ser suportados ou atacados.

Os três modelos de negócios

Os modelos predominantes nas batalhas digitais são SaaS (Software-as-a-Service), Marketplaces e Direct-to-Consumer, e cada vez mais se misturam e se complementam:

1) Software-as-a-Service, ou a comercialização do software como um Serviço: a previsibilidade do modelo de receita em razão da recorrência e a alta margem bruta desse modelos são os seus mais importantes atributos. Mas cada vez mais esse modelo busca se conectar com as transações que rodeiam a aplicação (marketplaces) e envolver os usuários em algum tipo de ecossistema (D2C).

A americana Salesforce foi a pioneira neste modelo, com a ideia de comercializar soluções de software que estaria imediatamente disponíveis online. No mercado do Brasil, a Totvs, Linx, Locaweb, Omie e Conta Azul se voltaram para esse modelo para comercializar seus software.

2) Marketplaces: a fragmentação da oferta e o take rate e o volume de transações (GMV) são os principais elementos. Mas cada vez mais esse modelo busca dominar a aplicação (SaaS) reduzindo a fricção tanto da oferta quanto demanda, aumentando a adesividade do usuário com a plataforma , e muitas vezes um dos lados já é direto ao consumidor. Nesse caso existem diversos player globais emblemáticos nesse modelo como Uber e AirBnB. No Brasil, como exemplo o Mercado Livre ou Enjoei que conecta digitalmente pessoas físicas ou pequenos comerciantes que buscam vender a uma base de pessoas compradoras.

3) Direct-to-Consumer (Direto ao consumidor): a amplitude das marcas e quebra de paradigma nas cadeias produtivas, por agregar produção, distribuição e varejo, são os principais elementos. Mas esse modelo busca no mínimo a recorrência do consumo e quando consegue, a recorrência sistêmica (SaaS), e também buscam agregar e desagregar a cadeia produtiva (marketplaces).

Um clássico modelo são as DNVBs (Digital Native Value Brands), ou marcas digitais de alto valor agregado, que vendem diretamente pro consumidor agregando da produção até o varejo. No Brasil, alguns grandes cases de sucesso das DNVB que estão mudando a experiência dos usuários são LivUp (refeição orgânica ultracongelada), Amaro(moda feminina) e Sallve(produtos de cuidados para pele).

Os três modelos podem se beneficiar dos arquétipos de go-to-market baseados em engenharia de produção que foram popularizados pelas empresas de Software-as-a-Service. Processos de vendas bem definidos e escaláveis, orquestrados em equipe focada em inputs e outputs, desde a geração da oportunidade ao fechamento de vendas, combinado com a alta produtividade humana da equipe.

As quatro arbitragens

Esses fatores até aqui, que fazem dos insurgentes vencedores, junto aos modelos de engajamento, criam quatro tipos arbitragens que são perseguidas por startups e incumbentes.

Essas quatro arbitragens são os quatro tipos de batalhas da era atual, permeadas por tecnologia:

Custo de Aquisição (CAC)

A tecnologia permite uma relação com novos clientes mais eficiente. O topo, o meio ou o fundo do funil são digitais ou o software transforma as equipes de marketing e vendas. São as tais das armas de destruição em massa.

“Inter

Inter é um dos casos mais emblemáticos de vencedor na batalha do CAC. O setor bancário sempre foi caracterizado pela distribuição física via agências, algo que demanda consideráveis investimentos, e por muito tempo essa capilaridade foi uma vantagem importante dos incumbentes. Essa barreira parecia intransponível alguns anos atrás. Porém, a evolução comportamental e tecnológica tornou a distribuição física cada vez menos importante no relacionamento e na captação de novos clientes. O avanço da distribuição digital é transformacional para o setor, e permite insurgentes competirem com os incumbentes.

No entanto, o sucesso do Inter não se explica apenas por esta nova maneira de se captar clientes. Afinal, a distribuição digital está aberta a todo o segmento. O sucesso do Inter no CAC se deve à clareza de sua proposta e à visão do management da empresa. Enquanto alguns bancos digitais começaram com a estratégia de cobrar uma mensalidade, em troca de uma plataforma diversificada de produtos (sem um carro chefe), o Inter abordou uma das principais dores dos correntistas: as tarifas de conta corrente e de cartão de crédito. O Inter foi um dos primeiros bancos digitais a oferecer uma conta corrente e cartão totalmente sem custos. O carro chefe do Inter era a conta digital gratuita e isso reverberou com o desejo de ter um bom atendimento digital sem tarifas. Com uma proposta de valor clara e bem executada, o Inter conseguiu fazer com que boa parte dos seus clientes viessem através de indicações boca a boca. Enquanto diversos insurgentes compravam espaço na distribuição digital para alcançar novos clientes, o Inter reverteu esta equação: fez com que as pessoas usassem a distribuição digital para chegar no Inter.”

Trecho escrito pela Verde Asset

Life-Time Value (LTV)

A tecnologia embarca a relação com o cliente, alongando e aprofundando a relação e garantindo o retorno do cliente ao produto e serviço, gerando mais valor para os dois lados do negócio.

Petz

A Petz é a maior rede de varejo especializada em produtos e serviços para animais de estimação. A empresa estreou na bolsa esse ano em um IPO do qual participamos. Recentemente, eles passaram a incentivar um modelo de assinatura em que o cliente se compromete com uma compra mensal recorrente em troca de 10% de desconto. O benefício se estende para compras avulsas e serviços.

Em um primeiro momento, a Petz abriu mão de uma margem maior em prol de uma relação duradoura com o cliente. Com isso, ganha previsibilidade na demanda e fidelização do cliente, que concentra uma parte maior dos seus gastos na rede. Entendemos que a maior frequência de compras, a expansão da relação para outros produtos e serviços e a construção de uma relação longa geram benefícios maiores do que a perda de rentabilidade de curto prazo, e elevam significativamente o life-time value (LTV) do cliente.”

Trecho escrito pela Verde Asset

OPEX / CAPEX

A tecnologia agrega ou desagrega a cadeia produtiva, ruindo as barreiras de entrada de um setor da economia. Essa arbitragem está no movimentos identificáveis em duas linhas nos demonstrativos financeiros margem bruta e fluxo de investimentos em ativos. Uma empresa que se aproveita do movimento de desagregação reduz sua necessidade de CAPEX. Por exemplo, Airbnb, que não precisou investir em imóveis para criar uma rede de hospitalidade, ou o Uber em montar uma frota de carros sem ter carros.

Logística no Brasil

O Brasil tem grandes gargalos de infraestrutura e uma logística historicamente ineficiente. Esse sempre foi um entrave ao desenvolvimento do e-commerce no país. No entanto, nos últimos anos, várias empresas têm usado tecnologia para transpor essas barreiras. Com modelos similares ao do Uber, elas conectam ativos de logística subutilizados por terceiros a clientes que precisam transportar mercadorias. A pandemia foi um grande teste para esses modelos, pois fez explodir a procura por serviços logísticos. Em um modelo tradicional, as empresas fazem investimentos altos em ativos fixos para atender a essa necessidade, mas com a tecnologia foi possível usar a capacidade ociosa já existente para fazer frente à demanda.

Acreditamos que esse tema é essencial para entender o e-commerce no país. Nos próximos anos, a evolução da logística continuará suportando o crescimento do setor e abrindo novas possibilidades de negócios, como entregas no curtíssimo prazo e a partir de lojas. Empresas que dominarem essa tecnologia e souberem alavancar os ativos fixos, próprios e de terceiros, estarão bem posicionadas para vencer o jogo. Entendemos que a tendência deve beneficiar nossos investimentos em plataformas de e-commerce como Magalu e Mercado Livre, além de uma cadeia grande de negócios que deverá vir à bolsa nos próximos anos.

Trecho escrito pela Verde Asset

Efeito de rede

A tecnologia cria ecossistemas (os tais efeitos de rede), exponencializando os 3 ítens anteriores. Pense no GitHub, plataforma de desenvolvedores comprada pela Microsoft por US$ 7,5 bilhões: desenvolvedores clientes traziam outros desenvolvedores para usar a plataforma (CAC), estendiam a relação ad eternum (LTV) e eram o próprio produto (Opex/Capex).

Magalu

Magalu é um exemplo de companhia que conseguiu explorar muito bem todos esses conceitos nos últimos anos e foi muito bem-sucedida.

Um exemplo ilustrativo do efeito de rede foi a compra da Netshoes, concluída em 2019. A Netshoes é uma excelente marca, líder na categoria de artigos esportivos online. Mas, até então, a empresa tinha resultados financeiros ruins. Sofria com CAC alto e logística ineficiente. Ao ser plugada ao ecossistema da Magalu, a Netshoes teve acesso a um fluxo de clientes direto, o que resolveu o problema do CAC, e a uma operação de logística mais eficiente, com redução no custo de frete. Em poucos meses, a Netshoes atingiu o break-even.

Enquanto isso, o Magalu fortaleceu as categorias de vestuário e artigos esportivos, ganhou novos clientes e estendeu a oferta a seus consumidores, aumentando a frequência de compra e, consequentemente, o LTV desse público.

A empresa trabalha muito bem as duas pontas do marketplace. Estão expandindo aceleradamente a oferta de produtos, aumentando frequência de compra e fidelizando consumidores. Na outra ponta, expandem a oferta de serviços para lojistas terceiros que vendem na plataforma, com oferta de logística eficiente, softwares de gestão e até mesmo cursos sobre como vender online. Dessa forma, trazem novos lojistas para complementar a oferta de produtos e se tornam ainda mais relevantes para os clientes.

Trecho em itálico escrito pela Verde Asset

Os recentes IPOs de Meliuz e Enjoei são apenas a ponta do iceberg de um ecossistema que vem maturando há 10 anos no Brasil. A velocidade de ataque é galopante, mas às vezes imperceptível. Não é à toa que no mundo de tecnologia diz-se que tudo acontece “gradualmente, e daí de repente”. Seja como investidor no mercado privado ou no mercado público o importante é saber que software está engolindo o mundo, mas não os meus ativos de investimentos.

*A Astella é investidora da RD Station (nova marca da Resultados Digitais), Omie e Sallve.

Obrigado a Verde Asset, Luiz Parreira e Pedro Sales pela oportunidade de aprendermos, trocarmos e exercitarmos conhecimento.

Para acessar o Relatório de Gestão de Novembro/20 da Verde Asset, clique aqui.

Guilherme Lima

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Guilherme Lima

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