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Diário de um VC: A Rainha Vermelha e o dilema dos Super-Founders

A Rainha Vermelha é um personagem fictício de um livro do Lewis Carroll (autor do Alice no País das Maravilhas) chamado “Alice do outro lado do espelho”. Na história, Alice termina percebendo que ela está correndo cada vez mais rápido mas sem conseguir sair do lugar.Vendo a menina cansada e frustrada, a Rainha Vermelha explica para Alice que naquele mundo, é preciso correr o máximo possível para ficar no mesmo lugar e que se ela quiser realmente ir à algum lugar, seria preciso correr duas vezes mais rápido.A moral dessa história, que ficou conhecida como o Efeito da Rainha Vermelha, é que não podemos ser complacentes, senão ficaremos para trás. Para sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, é preciso correr ainda mais e evoluir mais rápido do que o sistema na qual estamos inseridos.Não adianta aplicar mais força bruta, é preciso ser cada vez mais inteligente!
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Diário de um VC: A Rainha Vermelha e o dilema dos Super-Founders
Diário de um VC: A Rainha Vermelha e o dilema dos Super-Founders

Photo by Juan Gomez on Unsplash


A Rainha Vermelha é um personagem fictício de um livro do Lewis Carroll (autor do Alice no País das Maravilhas) chamado “Alice do outro lado do espelho”. Na história, Alice termina percebendo que ela está correndo cada vez mais rápido mas sem conseguir sair do lugar.

Vendo a menina cansada e frustrada, a Rainha Vermelha explica para Alice que naquele mundo, é preciso correr o máximo possível para ficar no mesmo lugar e que se ela quiser realmente ir à algum lugar, seria preciso correr duas vezes mais rápido.

A moral dessa história, que ficou conhecida como o Efeito da Rainha Vermelha, é que não podemos ser complacentes, senão ficaremos para trás. Para sobreviver em um mercado cada vez mais competitivo, é preciso correr ainda mais e evoluir mais rápido do que o sistema na qual estamos inseridos.

Não adianta aplicar mais força bruta, é preciso ser cada vez mais inteligente!

Vivemos um momento muito especial no mundo, e especial no Brasil: nunca foi tão barato empreender e nunca houveram tantos empreendedores atacando ao mesmo tempo todos os setores da economia. Isso quer dizer que estamos e vamos resolver as principais problemas que afligem a humanidade.

Tal ambiente competitivo, fomentou o desenvolvimento e amadurecimento de técnicas de criação de empresas que permitem startups alcaçarem uma escala de negócios que levavam décadas há algum tempo atrás. Hoje, as melhores startups precisam de 5 anos para sair de US$1MM e chegar em US$100MM de faturamento. E essa velocidade esta aumentando a cada ano.

Esse amadurecimento coloca cada vez mais pressão nos empreendedores, que além de dobrar suas empresas todo ano, tem que correr cada vez mais rápido. Restam a esses “Super Founders” duas alternativas: captar cada vez mais dinheiro (força bruta), ou aprender a usar cada vez melhor o dinheiro (inteligência). Se é possível fazer mais com menos, gerando assim um retorno melhor para os investidores e uma diluição menor para o empreendedor, porquê não fazê-lo?

Atualmente, a mediana de montante de investimento necessário para se criar uma empresa que valha US$1 bi (o tal dos unicórnios) é de US$200MM, sendo que a mais eficiente até hoje foi a Veeva, que conquistou essa marca com um investimento de US$4MM, e a menos eficiente foi a Box, que precisou de US$1 bi de investimento para chegar lá. Em qual dessas empresas você preferiria ser o investidor e o empreendedor?

A Inteligência do Crescimento

Essa aceleração da velocidade e eficiência de crescimento de empresas se dá pela mudança de paradigmas nas 5 principais engrenagens de um negócio:

  • As metodologias agile e design thinking que levam a um novo patamar o desenvolvimento e evolução de novos Produtos;
  • As metodologias de engenharia de produção aplicadas aos processos de Marketing & Vendas que trazem previsibilidade ao investimento, assim como entendimentos mais precisos de difusão de novos produtos;
  • As filosofias de Customer Success que orientam o desenvolvimento de produtos de maneira mais assertiva e prolongam o relacionamento das empresas com seus clientes;
  • As dinâmicas sociológicas de Recursos Humanos que permitem a contratação e retenção de um número crescente de colaboradores necessários para fomentar o crescimento; e
  • A transformação dos processos de governança em Sistemas Operacionais de Gestão fomentados por um volume crescente de dados e metodologias analíticas.

Estudando o arquétipo de crescimento dessas empresas velozes e eficientes, é possível destilar uma série de princípios que norteiam como os Super-Founders estão aprimorando seus negócios existentes ou como eles atuam quando se lançam nas suas segundas ou terceiras jornadas.

O primeiro princípio que emerge desses casos de sucesso é uma dinâmica de crescimento sequencial. Esse termo foi inicialmente usado pelo Marc Benioff da Salesforce para descrever a estratégia de crescimento por etapas ou blocos: uma geografia por vez, uma dinâmica de vendas por vez, um produto por vez. Essa dinâmica permite o aprimoramento operacional e a criação de vantagens competitivas por especialização, o tal do reforço estratégico que as empresas icônicas vão construindo ao longo da sua jornada rumo ao domínio global. É como se a empresa fosse se tornando ninja em um tópico a cada um ou dois anos, ou invés de tentar ser boa em tudo de uma única vez (por exemplo, tentando ser omnichannel na largada). Acreditamos que para cada etapa é preciso US$10MM de faturamento para considerar um bloco maduro.

O segundo princípio que aparenta estar presente em todos esses casos é o da leveza e simplicidade da célula-tronco do crescimento, o tal do product-market-fit (PMF). Essa célula-tronco ou unidade de crescimento, como preferimos chamar, é o supra-sumo do foco e de todo o segredo que esse time carrega consigo. Como apontamos em Rumo a conquista do Universo, essa unidade é composta de 1 persona, 1 produto, 1 fonte de lead e 1 modal de vendas. Quando eu tenho uma persona foco, é possível construir o produto mais simples e barato possível que entrega o valor que essa persona está disposta a pagar. A partir de uma persona é possível desenvolver uma estratégia de geração de lead específica e eficiente. E a partir dessa trilogia é possível desenvolver apenas um modal de venda específico. Sem desperdícios de produto, de leads e de venda, tem-se a unidade de eficiência. Quanto maior o foco, mais leve e eficiente é o crescimento em todas as etapas da jornada. O foco elimina as infindáveis discussões sobre a evolução do produto, dos canais de venda, do atendimento e do crescimento organizacional. Quanto mais leve, melhor.

Com base nesses dois princípios, podemos segregar a jornada de US$1MM a US$100MM em 10 blocos de US$10MM. Usando a Tabela 1 como exemplo, seriam necessários 4 anos para a startup amadurecer a sua primeira unidade de crescimento, enquanto estaria desenvolvendo novas unidades de crescimento que estariam amadurecendo nos anos 5, 6 e 7. É como essa empresa precisasse dos dois primeiros anos de vida para chegar ao PMF, mais dois anos para amadurecê-los, e fosse buscando mais 9 PMFs ao longo do tempo. Em High Output Management, Andy Grove diz que um líder precisa dominar dois tipos de gestão: a gestão das tarefas que envolvem tentativa e erro (criação) e a das que são repetitivas (operação). Para os Super-Founders, isso significa que eles devem cada vez mais se especializar nos processos de PMF e nos processos de Revenue Ops que escalam seus PMFs.

O terceiro princípio que surge é o da evolução em adjacências. Seja por viralidade espontânea ou por uma arquitetura planejada pelo Super-Founder, a empresa vai crescendo a partir da unidade de crescimento em leves combinações fatoriais do tema original como podemos ver:

Esse arquétipo se aplica a todos os principais modelos de negócio (SaaS, Consumer Transactions e Marketplaces), que são na verdade variações das 4 principais modais de marketing & vendas: no-touch (self-service ou PLG), low-touch (inside sales), high-touch (field sales) ou other-people-touch (VAR ou franqueados). Esse é nosso quarto princípio: a partir desses quatro modais de venda, é possível construir e escalar qualquer tipo de empresa.

Podemos montar uma empresa que vende cosmético direto para o consumidor final ou uma empresa de software de email para pessoas e pequenas empresas através de um modal self-service (atualmente conhecido como PLG). Podemos também montar uma empresa que vende móveis para o consumidor ou uma empresa de software que vende um software de gestão de vendas para empresas médias através do modal low-touch (conhecido como inside sales ou venda pelo telefone). Podemos ainda montar uma empresa que vende imóveis para o consumidor ou que vende um software de gestão de comunicação para grandes empresas através do modal high-touch (field sales, ou venda presencial ou consultiva). Podemos montar uma empresa que vende seguros para pessoas físicas ou software de gestão para pequenas empresas através de um modal other-people-touch (VAR ou franqueados). Podemos montar uma empresa que atraia consumidores desejosos por financiamento e entrega-los para financiadoras que busquem clientes em um marketplace com dois modais (PLG e field sales). Podemos montar uma empresa que atraia times para usarem uma ferramenta simples de produtividade através de um modal PLG e depois enviar um time de field sales quando houverem vários times de uma mesma empresa já usando o serviço. São infinitas as possibilidades a partir desses 4 fundamentos de vendas.

Daí vem o quinto princípio que aponta que todos esses modais de marketing & vendas são uma função da produtividade das pessoas que executam esse trabalho, e que portanto podemos sistematizar e escalar as equipes de venda em unidades produtivas. O termo POD se popularizou para descrever essas unidades produtivas, a partir da metodologia SaaS do Winning by Design, mas é análoga aos squads de tecnologia, e se aplica aos negócios B2B, B2C e marketplaces da mesma maneira: é possível quantificar quantos marqueteiros, programadores, designers, BDRs, SDRs, vendedores, ou seja lá o que for necessário para gerar lead, nutrir lead e fechar venda. A partir do custo e produtividade de um POD, do tempo de rampagem de um novo POD e do churn de pessoas, podemos extrapolar quanto dinheiro e qual a capacidade necessária para fazer aquilo que de verdade gera o crescimento das empresas: contratar e desenvolver pessoas.

A montagem da unidade produtiva requer a adequação do valor entregue ou planejada pelo produto perfeito (product-fit) com o modal de vendas. Essa adequação, nosso sexto princípio, é o que chamamos de channel-fit. Cada modal de venda está economicamente relacionado a um range de preços, ou tíquete médio; ou seja, produtos com preços até ~R$100 estão atrelados a um modal no-touch (auto-serviço), enquanto compras entre R$300 e R$1.500 estão atrelados a modais low-touch (telefone), compras acima de R$2.000 relacionadas à modais high-touch (venda presencial), e por fim preços não cobertos por esses modais recaem sobre os revendedores (other-people-touch). Isso se dá pelos vieses cognitivos humanos presente nos processos de compra (quanto mais caro, mais eu quero um humano no processo) e pela custo humano envolvido em cada um desses modais. Ou seja, é imprescindível que o produto enderece apenas uma faixa de preço. Todo e qualquer produto pertence a uma categoria de consumo e consequentemente pertence a uma uma categoria de preços.

Mas essas pessoas só conseguiram ser produtivas se o Super-Founder desenvolver o sétimo princípio, que é a geração proprietária e ilimitada de leads. Sem a garantia de matéria prima barata e ilimitada, nenhuma operação fabril funciona. Essa é a única vantagem competitiva concreta que pode ser construída a partir do primeiro dia de operação de uma startup: um canal de distribuição proprietário; eu posso usar, mas eu não dependo do Google, Facebook, Instagram, TikTok, ou sejá lá que for. Para as empresas icônicas, mesmo na escala, 80% da geração de lead vem de uma fonte proprietária, geralmente a primeira fonte que caracterizou a formação dessa empresa!

A partir de uma geração proprietária de lead, que fomenta uma unidade produtiva de vendas, que forma uma unidade de crescimento, o Super-Founder passa a ter controle e domínio do seu crescimento, bastando apenas dominar o oitavo princípio, que é a alocação eficiente de capital. O Google popularizou o modelo 80/20 de alocação de tempo e recursos, que é o coração de qualquer programa de growth hacking: alocamos 80% do tempo e recursos no que sabemos fazer bem e 20% tentando aprender coisas novas, que quando dão certo incorporam o arsenal de investimentos dos 80%, e assim por diante. Assim, nosso arquétipo na Tabela 3, mostra que o ideal é dedicar 100% dos recursos nos primeiros anos no foco do PMF, e a partir dessa conquista, aloca-se 20% dos recursos em novos PMFs que permitirão o crescimento da empresa. Podemos dizer que o Super Founder deveria alocar recursos como um fundo de VC dentro da sua própria empresa. Ou seja, a partir da Series A, seria ideal fazer algumas apostas Pre-seeds em algumas possíveis adjacências de PMF, que se dessem certo, receberiam um Seed, e assim sucessivamente.

Essa alocação, só atinge sua eficiência máxima se o Super-Founder souber gerar uma unidade de crescimento o mais rápido possível (PMF) e se essa unidade tiver a menor dispersão possível, para que a operação seja a mais replicável possível. Ou seja, nosso nono princípio é a coragem do foco. Por quê coragem? Porque cognitivamente não fomos desenhados para o foco. O foco aumenta a chance de morrermos, já que podemos errar o alvo e não ter tempo ou dinheiro para novas tentativas. Mas sem foco, é muito difícil escalar, e certamente quase impossível escalar com eficiência.

Para vencer o Efeito da Rainha Vermelha, você precisa de muita coragem e inteligência, ou de muito dinheiro. É uma questão de escolha.

“O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para sair daqui?”

“Isso depende muito de para onde você quer ir”, respondeu o Gato.

“Não me importo muito para onde…”, retrucou Alice.

“Então não importa o caminho que você escolha”, disse o Gato.

“…contanto que dê em algum lugar”, Alice completou.

“Oh, você pode ter certeza que vai chegar”, disse o Gato, “se você caminhar bastante.”

(Alice no País das Maravilhas)

Edson Rigonatti

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Edson Rigonatti

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