
Todo VC acorda diariamente com o objetivo de encontrar as próximas empresas incríveis. Aquelas que vão disruptar e impactar mercados inteiros e gerar uma nova geração de prosperidade para clientes, fundadores, investidores e colaboradores.
Isso faz parte do modelo de negócio de Venture Capital. Para compensar o risco de empresas que podem não dar certo, o retorno financeiro das estrelas do portfólio deve ser excepcional, acima de 10x o valor investido, o que na Astella chamamos de fund returners. Empresas que individualmente são capazes de trazer um retorno do tamanho inteiro do fundo. A matemática é que com isso chega-se em um retorno esperado do fundo acima de 25% a.a.
Venture Capital é um negócio de apostas assimétricas, regido pela lei da potência (power law): mais do que os 80/20 de Pareto, 60% do retorno dos fundos vem de apenas 6% das empresas investidas, de acordo com análise feita pela Horsley Bridge com mais de 7.000 empresas investidas por fundos entre 1985 e 2014.

Ao mesmo tempo, um pouco mais de 50% dos investimentos dão prejuízo e outros 20% retornam até 2x o capital investido.
Mas não fala-se muito abertamente sobre esses negócios não estrelas, que quebraram (os famosos write-offs, riscar fora) ou que tiveram uma saída menos relevante, mas que tomam uma parte importante da atenção e do tempo de todo VC.
Importante lembrar que no Brasil, segundo estudo feito pelo Exit in Public, 80% das transações de M&A com startups aconteceram em um valor abaixo de R$90 milhões. Nos EUA acontece um fenômeno parecido: 70% das transações acontecem abaixo dos US$100M com a mediana de US$46,8M (Pitchbook, 2020).
The Messy Middle
Scott Belsky, fundador do Behance e hoje em dia CPO da Adobe, tem um excelente livro com esse nome em que ele analisa profundamente os meios das jornadas de empreendedores e criativos. Todos nós somos obcecados e curiosos pelo início e pelo final das histórias. A garagem e o momento do IPO.
Mas a mídia raramente cobre esse período longo e difícil de anos de sofrimento, desafios e pequenas vitórias que levam a empresa a ser 1% melhor todos os dias. Suportar as falhas e otimizar os momentos de sucesso. Esse meio que ele chama de messy middle.
Pegamos emprestado esse nome para designar as empresas que ainda estão nessa zona cinza.
Estamos em um momento macroeconômico atípico, após um período com uma série de excessos, incentivados por taxas de juros historicamente baixas: inflação de valuation, de tamanhos de rodada e de crescimento via força bruta.
Aqui na Astella, independente do momento de mercado, mantemos a disciplina de investir em empresas que acreditam em eficiência de capital e procuramos entender a quantidade certa de recursos para o desafio de cada estágio de funding.
Nesse momento, boa parte das gestoras têm muitas empresas em seus portfólios que ainda não se graduaram para a próxima rodada. Ter tantas empresas nesse limbo é algo sem precedentes na história recente de VC.
Quais são as oportunidades únicas trazidas por esse momento?
Recentemente, vi uma excelente análise do Jan Voss, que lidera a área de investimentos alternativos em um family office europeu sobre as novas oportunidades de investimento em empresas justamente desse messy middle.

Ele apresenta três categorias de empresas:
I) Distressed: empresas com alto potencial e algum nível de product-market fit (PMF) mas sem capacidade de chegar no break even e que captaram recursos em valuations excessivos, o que torna difícil também a captação de uma próxima rodada.
II) Stable Growers: empresas com PMF e às vezes lucrativas mas que crescem pouco para seguir a trilha de VC. Esse é um caso muito comum nos portfólios de qualquer fundo e para quem geralmente recomendamos o caminho de um M&A estratégico.
A partir de um certo patamar, empresas stable growers passam a ter mais liquidez no mercado e capacidade de contratar melhores advisors para uma saída honrosa. Geralmente este nível mínimo fica na casa de R$10 milhões de faturamento anual. Abaixo disso, a aquisição acaba sendo mais do time de empreendedores e da tecnologia e menos da empresa e base de clientes, o que geralmente significa um desconto expressivo.
III) VC Orphans: empresas maduras com muitos anos de estrada, mas com investidores sem capacidade de fazer novos aportes por estarem no fim do ciclo de vida dos seus fundos. Muitos stable growers também se tornam órfãos, por acabarem "sobrando" nos portfólios dos fundos.
Quais são as oportunidades que enxergamos?
Acreditamos que existam diversas teses de investimento inovadoras em empresas desse messy middle para serem exploradas neste momento e para diversos players do ecossistema, entre elas:
- Corporações comprarem stable growers com múltiplos historicamente baixos;
- Fundos de Private Equity (PE) comprarem stable growers e órfãos com uma tese de consolidação e maior eficiência, o que pode acontecer inclusive com empresas de tecnologia listadas fechando o capital. Foi o caso da Zendesk, adquirida por um fundo de PE;
- Fundos de Venture Capital ativistas investirem em empresas distressed, reorganizando o captable para o momento atual e corrigindo distorções, dando novo gás às empresas, propondo uma nova rodada a um valuation igual ou menor à rodada anterior (down-round). Esse ajuste já está acontecendo em grande escala, visto que no primeiro trimestre de 2023, 18,7% das rodadas foram com valuations abaixo da última rodada (dados do State of Private Markets do Carta);
- Fundos de Venture Capital fazerem novas rodadas oportunísticas em estrelas do portfólio para consolidarem empresas de qualquer um dos perfis desse messy middle;
- Oportunidades para outros players do mercado que têm mais flexibilidade, como fundos de fundos ou family offices de montarem veículos especiais. Um caso interessante foi a Spectra, gestora de investimentos alternativos que investe em gestoras de VC e PE, que montou um "Continuity Fund" de R$300 milhões com a Invest Tech, para investir em três boas empresas do portfolio de um dos seus fundos mais maduros. São empresas com bom potencial, provavelmente stable growers, mas que destoam do prazo de duração do fundo original.

Messy Middle para fundadores
É fundamental que todo fundador ou fundadora também lide com essa dura realidade do mercado de investimento em inovação. Ao entrar na trilha de VC, existem três principais desfechos:
1) Construir uma empresa gigante, um novo gorila, uma empresa transformadora para seu país e segmento e no final da história você faz um IPO ou é comprado por bilhões de dólares. 6% ou menos dos negócios investidos chegam nesse patamar.
2) Sua empresa dá certo, mas não cresce o esperado e tem dificuldades para captar dinheiro novo. Você eventualmente decide vender o negócio para dar liquidez para você e seus sócios, seu time e seus investidores. Aproximadamente 30% dos negócios investidos vão ter esse destino, seja em uma saída mais ou menos relevante.
É muito interessante notar que algumas empresas passam anos nesse estágio antes de encontrarem um caminho vitorioso para serem realmente relevantes. O caminho do sucesso muitas vezes não é nada óbvio e sempre tem momentos de quase perda total. Às vezes, basta sobreviver.
3) Sua empresa não dá certo, não tem mais caixa para pagar o time e decide encerrar a operação e vender os ativos restantes. Infelizmente, mais da metade dos negócios investidos no early stage vai ter esse desfecho.
O nosso mantra na Astella é que os empreendedores são os heróis e heroínas da nossa era, mas mesmo os heróis às vezes falham.
A nossa abordagem é que estaremos juntos até o final, na alegria e na tristeza. Levamos relacionamentos e a nossa reputação muito a sério. Acreditamos que os melhores conselheiros e investidores aparecem nos momentos mais difíceis. Afinal, como disse John Kennedy: o sucesso tem muitos pais mas o fracasso é órfão.
Fred Wilson, um dos maiores VCs da última década que investiu na Série A de empresas como Twitter, Twilio, Coinbase e Cloudfare, concorda:
I spent the majority of my time on that long tail. This is irrational behavior if you think about fund economics, but I believe it is rational behavior if you think about firm reputation. The best thing you can do for this long tail is find a good home for the portfolio company.
No nosso trabalho de gestão de recursos, sempre temos que pensar de forma criativa. Quais são as oportunidades únicas de investimento e menos óbvias, adequadas ao momento atual e que ao mesmo tempo podem trazer retornos incríveis e prosperidade? E ao mesmo tempo, ajudar empreendedores a encontrar o melhor desfecho possível para suas jornadas, até o final.