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Mídia de Massa para Startups, parte 2 — How

Abordei no primeiro artigo dessa série que o crescente interesse das tech startups brasileiras pela mídia linear (ou mídia de massa), tem origem na busca pela construção de uma estratégia de aquisição com água limpa (trademark Laura Constantini). É natural num primeiro momento empresas B2C explorarem a busca pela massa, mas os temas que seguem abaixo se aplicam a qualquer segmento. São conceitos universais de comunicação.
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Mídia de Massa para Startups, parte 2 — How
Mídia de Massa para Startups, parte 2 — How

Spoiler alert! no final desse texto você precisa lembrar de 2 palavras: Frequência e Qualificação.

Abordei no primeiro artigo dessa série que o crescente interesse das tech startups brasileiras pela mídia linear (ou mídia de massa), tem origem na busca pela construção de uma estratégia de aquisição com água limpa (trademark Laura Constantini).

É natural num primeiro momento empresas B2C explorarem a busca pela massa, mas os temas que seguem abaixo se aplicam a qualquer segmento. São conceitos universais de comunicação.

Não vou usar o espaço aqui para explicar o que são GRPs, TRPs e outros termos técnicos de mídia. Para isso recomendo a leitura da bíblia: Planejamento de Mídia de Jack Z. Sissors.

Também vale a pena um pulo até o site do Grupo de Mídia de São Paulo (disclaimer: fui presidente por lá de 2014 a 2017). A maior ONG de mídia do Brasil, com uma série de informações e relatórios bastante apurados e bem embasados sobre este mercado no país. Vale em especial um mergulho na seção Media Academy.

Mídia linear funciona?

Em uma palavra: sim.

Mas mesmo com a queda de audiência e preços aparentemente altos?

É fato, a audiência de inúmeros elementos da chamada mídia tradicional vem caindo ao longo dos anos, mas a base em diversos casos é muito grande, afinal somos um país de dimensões continentais. Além disso é um hábito forte de diversos públicos alvos que necessariamente vão ter que fazer parte da sua base de clientes se estiver buscando transpor o abismo entre os early adopters e o mainstream. Os preços podem parecer altos, mas é preciso olhar o custo relativo (ou custo por mil) pois em função da escala pode ser que você se surpreenda positivamente. Além disso as startups oferecem um potencial interessante de negócios para os veículos (falo disso mais pra frente).

Mas meus amigos só assistem Netflix e ouvem Spotify, quem consome esses meios offline?

Verdade, meus filhos também não fazem idéia o que foi o canal 5, mas não dá para depender apenas de nossos filhos e amigos como universo de negócios, certo?

Marcas consolidadas convivem com a mídia linear há anos e se beneficiam dela na construção de seus negócios. Para anunciantes como Coca-Cola, Nike e Apple o share de mídia offline, em especial televisão e mídia exterior, no budget deles é bastante relevante.

Analisando o total de anunciantes no Superbowl 2019, o comercial mais caro do mundo (em média USD 4 milhoes por 30"), dá para ver que Startups (mint.com, expensify, etc) representam 10% do total de 49 anunciantes do programa. Mas somados com empresas digitais já consolidadas (como Google, Amazon, etc) que também estão presentes por lá o total de marcas digitais anunciando por lá é de 22%, ou seja a principal participação no total.

Um estudo do Video Advertising Bureau mostra que em 2018 as startups D2C investiram cerca de USD 2 bilhões em anúncios na televisão, versus USD 1,1 bi em 2016, e ainda 70% desses anunciantes fizeram seu primeiro comercial no último ano.

Outra boa referência é da consultoria EDO que fez uma correlação entre o volume de mídia em TV e o incremental de buscas orgânicas após a exibição imediata de comerciais na TV.

Os resultados são interessantes:

Note que a eficiência das marcas D2C é 6x maior que dos produtos de consumo, categoria na qual anunciantes ultra experientes como P&G, Lever, J&J se encontram.

Integração é tudo

Pelamordedeus… não usem esse artigo para ressuscitar o velho papo do online vs. offline, analógico vs. digital e toda essa conversa.

Não há distinção. Produtos digitais estão atrás de consumidores, que até onde eu sei são seres humanos. E sendo assim tem comportamentos complexos, improváveis, contraditórios, enfim… humanos.

O que é importante é a construção de uma estratégia de aquisição de clientes sustentável no tempo, e não apenas queimar capital como se descontos e cupons fossem a única maneira das pessoas se mobilizarem.

A busca por preço baixo é um comportamento aprendido e constantemente reforçado em inúmeras categorias. Uma guerra onde mesmo os vencedores vão deixar muito valor na mesa.

Portanto o processo construção de conhecimento => consideração => preferência de marca pode ser uma maneira de desenvolver uma empresa de forma sustentável. Mas os caminhos para isso são muitos.

Não há bala de prata.

O consumidor é multifacetado por natureza e uma construção ideal deverá considerar todos os pontos de contato, amplificando os esforços das estratégias de marca e performance, que precisam conviver e fazer uma trabalhar em prol da outra.

Como comprar?

A publicidade no Brasil é regida por um organismo chamado CENP. Lá eles deixam claras quais são as regras. Vale a pena ler o material antes de se aventurar na mídia.

De um modo geral você pode comprar mídia de 2 maneiras: através de uma agência ou direto.

Pela regra vigente no CENP, as tabelas de preços são sempre publicadas com os valores brutos, ou seja, prevendo a comissão padrão de 20% para as agências de publicidade.

Isso significa que se você compra R$ 100 de mídia, apenas R$ 80 chegam nas mãos do veículo de comunicação. O restante deveria ser usado para pagar a agência, que no Brasil é no modelo full-service, ou seja, com a criação e mídia debaixo do mesmo teto.

A questão é que a negociação padrão com agências mudou muito nos últimos anos. As taxas são altamente negociadas no mercado e é bom consultar gente com experiência no assunto para evitar pagar um valor irreal ou arriscar sub-remunerar um parceiro que deve ser estratégico.

Importante não confundir a taxa de agência com o desconto comercial.

Desconto comercial é algo discricionário do veículo de comunicação, onde cada um tem uma lógica e uma política comercial (ou pelo menos deveria ter).

E aqui entra um tema complexo porque a maioria dos veículos opera com faixas de descontos bastante altas, tornando o preço de tabela totalmente incompatível com o mundo real.

A origem dos descontos altos é antiga. A lenda mais aceita é de que como no passado o governo não tinha descontos para comprar mídia, os veículos de comunicação deixavam as tabelas mais elevadas para poder cobrar caro do setor público e aplicavam descontos na iniciativa privada. Mas desde o governo FHC isso não é mais verdade, e o governo acessa descontos mais em linha com os demais anunciantes do mercado. Enfim, como a distorção nasceu é algo para muita história e discussão mas o fato é que ela existe e o mercado de compradores tradicionais de mídia absorve essa situação há bastante tempo.

Então na hora de comprar mídia:

Preço de Tabela — X% Desconto Comercial = Preço Negociado Bruto

Preço Negociado — Comissão Padrão de Agência = Preço Negociado Líquido

No mercado atual, as verbas publicitárias caíram bastante, por fusões de anunciantes, cortes de verba e migração para o digital. Como a audiência não caiu na mesma proporção, e em alguns casos podemos até considerar que aumentou (como na mídia exterior por exemplo), claramente há uma oportunidade para novos anunciantes.

É preciso ter consciência do efeito de um novo cliente no mercado e usar isso para criar uma relação de qualidade entre startups e empresas de mídia, buscando uma condição comercial que incentive o novo entrante mas ao mesmo tempo não te torne um cliente low price no portfolio do veículo sujeito a quebras na entrega.

Como medir?

A frase: "mídia de massa não dá para medir" é um tema que ouço por aí desde sempre.

Convivi com clientes medindo resposta direta na mídia desde 1998. Primeiro com a Dell, depois Telefonica mas principalmente com a GVT.

Pode não ser tão simples de medir como a mídia digital por características inerentes ao modelo one-way de distribuição do off, mas dá sim.

Os canais e programas de resposta direta que pipocam na televisão há anos em todos os países mostram que uso da mídia para venda direta é antigo e recorrente, e pode ter certeza que os caras do 1406 mediam cada centavo da operação deles afinal a TV era o principal canal de empresas de televendas que estão por aí há anos em todo o mundo.

Na mídia tradicional, TV é de longe o meio mais fácil de se criar um modelo de atribuição.

Você vai precisar acessar um banco de dados de exibição do minuto exato do seu comercial, algo que pode ser comprado de empresas especializadas como Kantar (ex-Ibope) ou Controle da Concorrência.

Aí é criar um database para construir o seu modelo de atribuição com o topo do funil do tráfego, MQLs, SQLs, produtos no carrinho, compras, etc.

Tudo isso minuto a minuto.

Media Lift

A idéia é calcular a média de tráfego e demais KPIs dos 10 minutos anteriores da inserção e subtrair essa média dos 10 minutos seguintes a inserção para calcular o lift gerado pela exibição da mídia.

O Media Lift não deve ser a única fonte de dados, pois nem todo mundo vai sair correndo da frente da TV para o seu site ou appstore. Também os 10 minutos podem ser alterados para um número mais relevante para cada modelo de negócios.

É uma primeira medida relevante para entender a atratividade de alguns programas versus outros e pode dar dicas importantes de otimização da grade futura.

Análise de Correlação (r)

Com a mesma base de minuto a minuto dá para construir uma análise de correlação entre os vários fatores do funil de negócios e inserções de mídia. Importante incorporar a informação do custo da inserção e volume de audiência (em TRPs) e começar a construir uma base de dados para compreender qual o ponto do funil de conversão que tem maior correlação com a mídia.

Com o passar do tempo no ar, você deve conseguir construir a mesma análise com base em dados consolidados diários ou semanais, compreendendo melhor o efeito global da entrada no ar da mídia linear.

Um ponto chave é entender a evolução do percentual de tráfego orgânico diário. Esse é um item que deve evoluir de maneira significativa e é um primeiro indicador de maior lembrança da marca.

E maior lembrança da marca… você já sabe = água limpa :-)

Seja como for, não tente tratar a mídia linear com os mesmos KPIs da mídia de performance que vai dar ruim.

É necessário criar a rotina certa e aprender a otimizar as opções de cada meio.

E como isolar o fator mídia de massa?

Pergunta de 10 entre 10 CMOs de tech startups que já se aventuraram na mídia tradicional, mas que não tiveram os resultados esperados por qualquer motivo que seja.

Se uma empresa compra um volume absurdo de mídia de performance para manter a roda girando todos os dias, talvez a entrada no ar da mídia offline não vá despontar no dashboard no curtíssimo prazo.

Explico: o volume de leads já está tão turbinado na performance, que seria necessário um volume de mídia em outros meios tão absurdo que não haverá como separar o joio do trigo.

Mas isso também não é uma novidade. Marcas tradicionais que vendem em canais de varejo físico vivem o mesmo dilema quando tem as vendas turbinadas por fortes incentivos no ponto de venda.

Um cenário para considerar: Uso de mercados teste.

Zerar a mídia de performance em uma cidade e manter um nível mais baixo em outra como controle do teste da entrada no ar de mídia off e tentar entender o lift/retorno.

Chegar numa equação nesse sentido e construir uma extrapolação do cálculo de ROI para quando a campanha migrar para mercados maiores e criar um entendimento do quanto a entrada da mídia de massa pode viabilizar algum tipo de redução na mídia de performance, ou não.

O ponto desse cenário é que alguns mercados tem custo de mídia absolutos bastante reduzidos. Pode ser uma daquelas boas "do things that don’t scale", mas ao mesmo tempo pode gerar um conhecimento e otimização de um movimento maior que não tem preço.

No teste escolha mercados que sejam menores e mais baratos, mas representativos dos hábitos e demografia dos grandes centros urbanos para não correr o risco de invalidar o teste.

Um segundo cenário é entender a evolução das buscas por termos da marca versus os termos genéricos.

Explico: empresas extremamente dependentes da compra de tráfego tem dificuldades de reduzir o volume de mídia de performance. Porém os termos ligados a marca tendem a ter o custo do leilão bem mais baixo, portanto quanto mais você estimula o conhecimento de marca mais as pessoas tendem a usar termos "branded" e portanto há uma oportunidade importante de reduzir o custo do clique comprado.

É a frequência cara!

O ponto chave de sucesso na mídia de massa é a frequência de exposição da mensagem ao consumidor (ou como os americanos preferem chamar: OTS, opportunity to see).

Quanto maior a frequência, maior a chance da mensagem ser vista e retida na cabeça das pessoas.

O ponto ideal também é outro tema de muita discussão e polêmica. Sendo bastante razoável imaginar que uma frequência baixa demais será pouco ou nada eficiente (não adianta colocar 1 único comercial no horário nobre e achar que isso vai mudar o jogo, essa estratégia só deu certo uma única vez na história do marketing)

Mas também a super exposição é algo que enche o saco da audiência e gera um desperdício da verba. O comportamento da frequência no público alvo é uma curva de Gauss.

Estudos aprofundados sobre frequência eficaz são raros e cheios de furos, mas o mercado convenciona com base na experiência que a frequência média de 5x (em 30 dias) é a ideal para lançamentos e 3x para a manutenção.

Outra tese que ganhou bastante fama nos anos 80 e 90 e começa a ressurgir é a do Media Recency. Ela diz que marcas estabelecidas devem ter uma frequência média de pelo menos 1 contato diário com o consumidor, independente do meio. Particularmente sempre tive muito apreço pela abordagem do velho mestre Erwin Ephron, que no final da vida acabou desconstruindo parte da própria teoria em função das mudanças no cenário provocadas pela mídia digital. Para quem quiser se aprofundar no tema, recomendo o livro Media Planning: From Recency to Engagement.

Softwares de cálculo de Alcance e Frequência média podem te dar a estimativa da frequência média de uma programação de TV com base no banco de dados passado de audiência.

Alcance = % do universo de pessoas cobertas pela campanha em um determinado período.

Frequência Média = Número de vezes que em média os indivíduos alcançados pela campanha são expostos a mensagem.

Ahh.. e Alcance x Frequência = Total de TRPs da campanha.

Mas como dizia Tim Maia: Leia o livro! Não o do Universo Racional mas o do Jack Sissors recomendado no link acima para entender melhor as medidas técnicas da mídia tradicional.

Agora de nada adianta construir frequência de exposição no público-alvo errado.

Por definição a mídia de massa tem uma capacidade de segmentação mais limitada do que a digital. Enquanto alguns pregam que isso é puro desperdício, em outras estratégias podemos enxergar como um efeito de contaminação de públicos adjacentes para gerar o crescimento dos negócios, ou mesmo como a conquista de personas que não são os compradores diretos de um produto ou serviço mas influenciam ou endossam essa aquisição.

Portanto o nome do jogo é Frequência e Qualificação.

Daniel Chalfon

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Daniel Chalfon

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