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Carta do Gestor: O impacto dos ciclos de mercado nos M&As

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Carta do Gestor: O impacto dos ciclos de mercado nos M&As
Carta do Gestor: O impacto dos ciclos de mercado nos M&As

Quem acompanha o mercado de venture capital há algum tempo, certamente já notou o quanto nossa atividade é feita de ciclos. Gestores, investidores e founders precisam estar sempre preparados para mudanças de ventos e ter a consciência de que os fatores de mercado que influenciam o preço de entrada (valuation) em uma startup poderão estar diferentes em um momento de liquidez (M&A, IPO ou fusão) – e que essa balança pode pesar para qualquer lado, ora favorecendo quem entrou antes no captable, ora quem chegou no final.

A face mais visível desse desafio passa pela definição do valuation. Se vivêssemos em um mercado de absoluta estabilidade – algo que, por princípio, foge às leis dos mercados – quase nenhum dilema existiria: a avaliação de uma empresa mudaria seguindo exclusivamente critérios tão objetivos quanto o crescimento, por exemplo, e bastaria uma startup seguir crescendo para que seu valor de mercado aumentasse. Na prática, as coisas não são bem assim. Os ciclos econômicos são grandes impulsionadores e detratores de ganhos – e, por mais que não sejam o único fator para determinar o retorno de uma aposta, entender o peso do ciclo atual em um determinado investimento pode fazer muita diferença para que o investidor tenha um pouco mais de segurança quando o mercado virar.

Fazer uma análise de ciclos passados ajuda a estar preparado para o momento presente. Pegando casos recentes, vemos que os múltiplos praticados ao longo de 2020 e 2021 – e considerados exorbitantes por muita gente –, são bastante similares aos que já vimos em outros momentos da história, como no início de 2000 – pré-estouro da bolha ponto com – e em 2008 – antes da crise das subprimes.

Fonte: BVP Cloud Index

Saber disso nos leva a ter mais clareza sobre cada momento do mercado, a se preparar para buscar as melhores oportunidades tanto em momentos de alta quanto nas baixas e a saber como reagir quando um ativo cuja expectativa era de valorização de mais de 100% em dois anos, volta a ser avaliado com o mesmo preço, mesmo que a empresa tenha tido um crescimento sólido.

Em momentos de maior retração, a régua com a qual as empresas são avaliadas se torna mais conservadora. Assim, o múltiplo que se aceitava pagar sobre os indicadores de um negócio fica bem menor e os termos e condições mais favoráveis aos investidores – afinal, o valuation é sempre a mistura de expectativa da precificação daquele ativo no futuro e do momento do mercado.

O grande desafio é que a mudança da escala dessa régua não influencia apenas o meio da jornada, com a marcação de preço em próximas rodadas – algo que, em última análise, faz com que a valorização de um ativo seja mais lenta do que o esperado, mas que pode ser revertido. O impacto sobre o valuation influencia também os movimentos de exit.

Analisar esse aspecto é especialmente importante em momentos como o atualmente vivido no mercado mundial, quando grandes players aproveitaram os anos recentes de capital farto para se capitalizar mesmo sem  necessidade imediata de caixa e agora estão em boas condições para alocação em movimentos de aquisição – impulsionados pelo fato de muitos ativos estarem com uma avaliação bem mais atrativa do que a vista nos últimos ciclos.

A importância dos termos e condições

Para o investidor, o olhar atento aos impactos do cenário como um todo no mercado de venture capital reforça a importância de buscar os melhores momentos para fazer as alocações dos fundos – e a certeza de que, sobretudo em momentos de valuations mais esticados, é importante negociar termos que compensem a entrada em condições que não sejam as ideais para garantir resultados mais sólidos quando há a mudança do cenário geral.

Um caso emblemático da importância de entender como se posicionar de acordo com essa variância de ciclos é o do nosso investimento na Exact Sales, que foi adquirida em junho deste ano pela RD Station (Grupo TOTVS), por R$ 51 milhões.

Nossa decisão de investir na startup de software de vendas aconteceu em 2019. Na época, víamos uma boa oportunidade de entrada, em um mercado com grande potencial e com um bom time de empreendedores. Então, desenhamos um cenário em que, se eles entregassem tudo o que estavam planejando, o ponto de entrada não faria muita diferença, pois o retorno potencial seria significativo.

Essa análise nos levou a investir na empresa com esse “prêmio” no valuation, mas também nos fez buscar proteções caso a saída não fosse tão exponencial como esperávamos. Desde que investimos, o negócio teve um crescimento de três vezes. Não era ruim, em especial no momento do mercado que foi atravessado logo após o nosso aporte, mas estava longe das 20 vezes de crescimento que tínhamos projetado, categoria que chamamos na Astella de Messy Middle. Por isso, na hora do exit, os termos e condições foram importantes para proteger nosso investimento.

Fonte: Carta

Este é apenas um entre tantos exemplos que podem ser dados sobre a importância de investidores entenderem os efeitos que as variações de ciclos econômicos terão sobre a rentabilidade de seu portfólio. Análises globais de benchmarks, como as  feitas pela Cambridge Associates, costumam mostrar que as safras de investimento realizadas após momentos de crise têm uma rentabilidade melhor para os investidores do que aquelas construídas nos momentos de maior hype do mercado. Aqui na Astella, esse olhar para os ciclos da economia é parte fundamental da nossa estratégia. Buscamos nos posicionar da melhor forma para criar um portfólio que nos permita aproveitar tanto os momentos mais bull market quanto as épocas de retração.

O que torna essa gestão mais desafiadora é a velocidade que as coisas vêm tomando. Em vez dos ciclos de anos com os quais estávamos acostumados a lidar, agora vemos as condições econômicas se alterarem completamente em questão de meses. Isso fica muito claro quando analisamos os indicadores desde o início da pandemia de Covid-19. No segundo e terceiro trimestres de 2020, o cenário parecia muito desfavorável para investimentos em VC, com fundos e corporates segurando recursos ao máximo. No entanto, logo houve uma virada. No último trimestre daquele ano e ao longo de 2021, vimos uma alta inesperada, com preços que muitos consideravam insustentáveis.

O movimento de disparada foi revertido (e de forma brusca) em 2022, com o aumento da taxa de juros no mercado americano e todas as consequências para os investimentos em tecnologia, catalisadas pela quebra do Silicon Valley Bank. Agora, o que enxergamos é uma retomada mais lenta, com o retorno de algum volume de deals tanto de investimento quanto de M&As, ainda que longe da intensidade das grandes rodadas de dois anos atrás.

Fonte: Distrito


O papel do VC em movimentos de M&A

A saída é um dos grandes momentos de qualquer investimento. E, por isso, o VC pode desempenhar um papel relevante para apoiar seu portfólio em negociações de M&A.

Tradicionalmente, no funil de venture capital a cada 100 investimentos feitos, 50 têm resultado negativo (a perda total do valor aportado ou a necessidade de vender a participação por menos do que pagamos); outros 42 dão mais de 1 vez de retorno (resultados importantes para o funcionamento geral do fundo); e 8 são outliers, com retornos acima das 10 vezes (aquelas escolhas que fazem compensar todos os demais investimentos).

Fonte: CB Insights

O grande desafio quando falamos do papel do VC no M&A está no acompanhamento dessa fatia de cerca de 40% das empresas. É ali que precisamos dedicar uma atenção maior, pois termos e condições bem amarrados e uma negociação justa podem fazer muita diferença no resultado oferecido para os investidores.

Entre os fatores que impactam a relevância dessa parcela do portfólio, está o apoio que o fundo precisa dar ao founder. Por mais que o empreendedor saiba que, estatisticamente, a chance de estar nos 8% que compõem o topo da pirâmide seja pequena, em raras oportunidades ele imaginou um final diferente para sua trajetória. Ajudar o founder a enxergar, então, que um M&A pode ser o melhor caminho para o seu negócio e que isso não é demérito à trajetória empreendedora, é uma primeira etapa fundamental que pode trazer impacto para o resto da negociação.

Em um segundo momento, entramos com a nossa experiência. É muito provável que essa seja a primeira vez que os fundadores estejam vendendo uma empresa criada por eles para alguém. Um fundo experiente, porém, já passou por isso um punhado de vezes e conhece tanto as potenciais armadilhas do processo quanto os pontos em que é possível ser mais inflexível para conseguir melhores condições. É comum que, sem esse apoio, uma negociação fique emperrada por mera questão de orgulho ou por algum detalhe que não faz diferença prática no final das contas.

Por fim, entra o nosso papel em garantir que a negociação seja relevante também para o fundo, garantindo um caminho que traga retorno para os nossos investidores – conforme desenhamos desde a escolha das startups que fazem parte do nosso portfólio e dos termos em que aceitamos entrar em cada um desses negócios.

No final do dia, voltamos sempre à velha máxima de que o trabalho de uma gestora de venture capital é muito baseado em pessoas. Por mais que inúmeros fatores como ciclos econômicos, momentos de mercado e o valuation do negócio influenciem, é a presença de empreendedores missionários que faz com que as startups se tornem mais atrativas para movimentos de M&As e que, quando esse momento chegar, a negociação leve ao melhor retorno possível para todos os envolvidos.

Marcelo Sato

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Marcelo Sato

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